sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Festa da Boa Morte

          

        No dia 15 de agosto estivemos em Cachoeira para participar da Festa da Irmandade da Boa Morte. Formamos um grupo com Cláudio Rebello, Maria Cristina Cunha, Rives, Borges, Gibson e Isabela. Foi um momento extremamente rico do ponto de vista cultural e religioso.


Ancestralidade Africana
       
              A Irmandade da Boa Morte é uma confraria católica de mulheres negras e mestiças que descendem e representam a ancestralidade dos povos africanos escravizados, e libertos, no Recôncavo da Bahia. Com o apogeu da lavoura de cana de açúcar, o trabalho escravo teve grande influência no desenvolvimento social e econômico da região. Daí a presença muito forte do negro em Cachoeira, o que contribuiu para difundir o sincretismo religioso em todas as áreas.
        A festa de Nossa Senhora da Boa Morte é um exemplo vivo da força e influência marcantes da cultura africana, miscigenada às tradições católicas. A festa acontece sempre durante a primeira quinzena de agosto e atrai pelo mistério e força, transmitidos de várias formas, tanto através da indumentária especial, utilizada pelas “irmãs”, como também pelos rituais secretos que são realizados com muita devoção.
         O traje de gala característico das “irmãs” é marcado pelo preto, branco e vermelho. A saia é preta e plissada, o camizu (ou camisa de crioula) é todo bordado em richelieu, engomado e branco. É usada outra blusa para compor o traje, além do pano da costa, em veludo preto, com forro de cetim vermelho, e o torço (ojá) branco comum, também bordado em richelieu.




 Rituais e Mistério

O culto é mantido com muito respeito e mistério. A programação católica é composta de missas, confissões, sentinela de Nossa Senhora da Boa Morte, realizada na Casa da Boa Morte, e três procissões nas principais ruas da cidade. Os rituais africanos são realizados de forma recatada, e os preceitos começam no início do mês de agosto, quando fazem uma limpeza de corpo e alma, confessando-se na igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira e tomando um banho de purificação, seguindo o ritual de seus ancestrais.
Fazem parte ainda da programação religiosa missas pelas irmãs falecidas, cortejo com Nossa Senhora da Boa Morte, sentinela na Igreja Matriz, missa de corpo presente, procissão de Nossa Senhora da Boa Morte, missa solene da Ressurreição.
A parte profana da festa tem samba de roda e ceias na casa da Irmandade. Hoje, a Confraria, formada exclusivamente por mulheres negras com mais de 50 anos, funciona em um conjunto de quatro sobrados do século XVIII, restaurados pelo Ipac – Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural, à Rua 13 de maio/Largo da Ajuda. Na sede estão peças da Irmandade, incluindo a imagem de Nossa Senhora da Boa Morte.

Resistência cultural
A Irmandade da Boa Morte, entidade que vive em amor a Maria, é uma sociedade fechada, fiel zeladora das tradições, enraizadas em suas origens culturais. A Irmandade guarda ainda os traços fortes de sua origem, como a admissão exclusiva de mulheres idosas e negras em seus quadros, tradição que continua seguindo religiosamente. Nesse espírito de ritos e manifestações, as irmãs mantêm a tradição distante de possíveis modificações em sua estrutura, há 235 anos.
O quadro da Irmandade, que já contou com a participação de cerca de 200 mulheres, segundo depoimento do administrador da festa, Walmir Pereira, reúne hoje 23 irmãs e quatro noviças, provenientes tanto de Cachoeira quanto de outras cidades do Recôncavo, como São Félix, Maragojipe, Muritiba, Santo Amaro e até mesmo de Salvador.
Para integrar ao grupo é preciso, antes de qualquer outra coisa, muita devoção a Nossa Senhora da Boa Morte. Geralmente as mulheres devem estar na faixa acima de 50 anos porque, a partir dessa idade, segundo as irmãs, as mulheres começam a perder interesse material, sexual, fortalecendo o espiritual e a dedicação de corpo e alma à devoção.
Nobreza e Dignidade 
Atualmente, entre os poucos pertences das irmãs restam os trajes com que participam da festa, um motivo de grande orgulho. Quando vestem sua roupa de gala ou a indumentária de baiana típica, as negras desfilam pelas ruas de Cachoeira, com nobreza e dignidade. O traje de baiana, todo branco (camizu de richelieu, bata bem larga em tecido fino e trabalhada, saias bem armadas, chinelas em couro branco, ojá de cabeça engomado, com detalhes de richelieu e pano da costa bordado), é usado durante o cortejo de Nossa Senhora, na sexta-feira e na ceia branca. Nesse dia, elas não usam qualquer joia ou adereço, somente as guias dos orixás e o traje branco, que no Candomblé significa luto. É um dia de resignação e respeito em reverência à Senhora Morta.

         

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